quarta-feira, 21 de julho de 2010

Tutela constitucional do salário


Assistimos hoje a uma grande preocupação com a efetividade do texto Constitucional, com o seu real cumprimento; com a concretização da norma no mundo dos fatos e na vida das pessoas.[1] Todavia, a interpretação do texto constitucional encontra divergências naturais em um estado de direito, sendo salutares todas as discussões instauradas e, ainda, válidas todas as posições sustentadas, à exceção daquelas que, ao invés de sustentar posições jurídicas, simplesmente pretendem ignorar dispositivos constitucionais, sem explicar as razões de sua inobservância.

Tal situação é verificada nas hipóteses de afastamento da natureza alimentícia do salário, trazidas pela não aplicação da interpretação principiológica e extensiva do texto constitucional, verificada, ainda, pela inserção do §1º do art.100 da CRFB, com redação dada pela emenda constitucional 62 de 2009, o qual traz a definição explícita da natureza alimentícia, conforme se vê ipsis litteris:

“[...]§ 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.” [não há grifos no original].

A leitura do parágrafo 1º do art. 100 da CRFB deve ser realizada em consonância com outros artigos da Constituição, tendo em vista ser tal parágrafo o responsável pelo detalhamento do que é entendido como débitos de natureza alimentícia.

Além da criação do parágrafo 1º do art. 100 da CRFB, o enquadramento dado pelo legislador constituinte originário ao inciso IV do art. 1º da Constituição Federal, demonstra sua importância definindo-o como um de seus fundamentos.

Ainda, no decorrer da leitura da Magna Carta, extraem-se direitos trabalhistas constitucionalmente garantidos, como facilmente percebe-se, por exemplo, na proteção dada pelo inciso X do seu art. 7º, constituindo crime a retenção dolosa de salário.

O conceito de salário é determinado pela doutrina juslaboral, como já demonstrado, ficando o juiz do trabalho responsável pela sanção cominada pela Constituição, quando, v. g., o empregador dolosamente retém os salários dos seus empregados, descumprindo a norma máxima no sistema jurídico brasileiro, bem como contrariando regras celetistas passíveis de multas administrativas e até de prisão penal e civil, tendo em vista a previsão para a retenção dolosa do salário e sua natureza alimentícia indubitável.

A lei proporciona a todos o acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito), a paridade de tratamento, o devido processo legal etc..Portanto, a retenção salarial, seja dolosa ou não, traz ao empregado um desconforto e impotência perante suas obrigações. Se o salário, conforme previsão constitucional deve ser capaz de atender às necessidades vitais básicas do empregado e de sua família, seu inadimplemento levará ao descumprimento da regra prevista no inciso IV do art.7º da CRFB.

Destarte, há explicita violação à CRFB, suprimindo a dignidade da pessoa humana e desnorteando os valores sociais do trabalho, fundamentos constitucionais (art.1º, III e IV da CRFB).

Assim, se outro fosse o objetivo do constituinte originário em determinar qual natureza teria o salário, não haveria, portanto, tal proteção constitucional explicitada em diversos títulos da Carta Magna e, posteriormente, sido absolutamente esclarecida pelo constituinte derivado, como se deu pela edição do parágrafo 1º do art. 100 da CRFB.

Por essas razões, a importância da utilização de mecanismos tendentes a garantir os adimplementos das obrigações trabalhistas, no aspecto, corroborará como meio alternativo, depois de esgotadas as tentativas já efetivadas de satisfação do crédito, dada sua natureza extremamente radical, já que se valem da restrição do direito à liberdade, a fim de garantir o direito à sobrevivência e à integração social.

Tais mecanismos, atualmente tidos como heterodoxos e radicais, muito embora já estejam previstos no ordenamento jurídico, sendo a prisão civil por inadimplemento de obrigação alimentícia e a prisão penal por desobediência à ordem judicial, terão como consequência uma maior efetividade dos direitos laborais, sendo certo que diante da banalização dos institutos processuais que as partes utilizam maliciosamente, bem como as formas de protelações e obstruções dos empregadores em cumprir as condenações ou, ainda, obedecer à ordem judicial, estarão diante da ultima ratio da Justiça do Trabalho para findar sua prestação jurisdicional, cumprindo com a entrega do bem da vida, enquanto este ainda possa ser útil à parte vencedora no litígio.



[1] BARROSO, Luiz Roberto. Dez anos da Constituição de 1988 (Foi bom para você também?). Cidadania e Justiça. Revista da Associação dos Magistrados brasileiros. Ano 2. nº 5. 2º semestre. 1998. p. 47.

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