quarta-feira, 21 de julho de 2010

POSSIBILIDADE DE PRISÃO CIVIL E PENAL DOS SÓCIOS DAS PESSOAS JURÍDICAS

Desconsideração da personalidade jurídicadisregard of legal entity’

Como é cediço, não há falar em prisão da pessoa jurídica, por sua absoluta impossibilidade, decorrente de seu caráter de ficção jurídica - "enquanto algo que não tem existência real; é artificialmente criado pela lei, tratando-se, portanto, de pura ficção legal",[1] destarte, é necessária que seja desconsiderada a pessoa jurídica a fim de se ter no pólo passivo da lide os sócios da empresa, os quais, juridicamente, são possíveis de serem alvos da prisão civil por dívida trabalhista e penal, pela desobediência à ordem judicial.

Embora haja o empecilho decorrente da inviabilidade da prisão da pessoa jurídica, este é somente aparente, no âmbito da Justiça do Trabalho, visto que após a desconsideração da pessoa jurídica, com arrimo no art. 50 do CC e art. 28 do CDC, os sócios integrarão de imediato o polo passivo da demanda, passando a figurar, de forma pessoal, como devedores, ao passo que a ordem constante do mandado de citação, penhora e avaliação, se voltará diretamente contra eles, sobre os quais recairá a punição por eventual prática do crime de desobediência à ordem judicial.

Assim, não há se falar na impossibilidade de prisão dos sócios das pessoas jurídicas, pois, são aqueles que, após a desconstituição da personalidade jurídica destas, que respondem, pessoalmente, com seus bens patrimoniais àquela execução, sendo certo, ainda, que tal etapa processual só deve ser atingida, nas hipóteses em que todos os meios existentes para alcance de patrimônio da pessoa jurídica já foram esgotados, em razão do benefício de ordem expresso no art. 620 do CPC.

O Código Civil, em seu art. 50, numerus clausus, e o CDC, em seu art. 28, ambos aplicáveis subsidiariamente no âmbito juslaboral (art. 4º da LICC), trazem a possibilidade da desconsideração, in verbis:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. [não há grifos no original]

Tais artigos são aplicáveis e de suma importância na Justiça do Trabalho, pelo fato de que os sócios das empresas, normalmente, possuem patrimônio passível de penhora, obstante ao que se vê em algumas empresas, quando são, de certa forma, alienados para fraudar a execução ou, realmente, a empresa se encontra em dificuldade, não possuindo patrimônio suficiente para arcar com as obrigações advindas do pacto laboral.

O fim a qual se destina a desconsideração da personalidade jurídica objetiva-se no sentido de que os sócios são os beneficiados, de forma imediata, da prática licita ou ilícita da pessoa jurídica. Logo, além de se beneficiarem das ações lícitas, beneficiam-se também das ilícitas, pois, se não for possível desconsiderar a pessoa jurídica quando da prática de atos ilícitos a fim de puni-la, não haveria, portanto, alternativa legal para que se possam defender os interesses trabalhistas, pois da prática ilícita da pessoa jurídica não haveria a possibilidade da prisão, seja civil ou penal, possibilitando, ainda, que tais práticas se perpetuem, sendo, apenas, passíveis de indenizações e multas administrativas que, na comparação com os resultados obtidos pela prática ilícita, seriam muito aquém.

Desta forma, sendo as pessoas jurídicas passíveis apenas de responsabilizações civis e administrativas, de cunho pecuniário, é preferível pagar indenizações e multas, mantendo as práticas ilícitas e lucrando, do que não mais praticar os ilícitos, pois, não havendo modo coercitivo-legal de abstenção da prática, não há, portanto, motivos razoáveis para que não se pratique, visto que o lucro é maior do que o dispêndio de valores pagos em indenizações e multas.

A responsabilização da pessoa jurídica, quando da desconsideração de sua pessoa, visa dispor da possibilidade de sanções diversas daquelas administrativas, tendo em vista que a pessoa jurídica nada mais é do que uma ficção jurídica que transmuda a volitividade do sócio à pessoa jurídica involitiva.

O mestre Dr. Damásio E. de Jesus preleciona que:

“A personalidade jurídica, ao contrário, somente existe por determinação da lei e dentro dos limites por esta fixados. Faltam-lhe os requisitos psíquicos da imputabilidade. Não tem consciência e vontade próprias. É uma ficção legal. Assim não tem capacidade penal e, por conseguinte, não pode cometer crimes. Quem por ela atua são seus membros diretores, seus representantes. Estes sim são penalmente responsáveis pelos crimes cometidos em nome dela.”[2] [não há grifos, tampouco destaques no original]

É evidente que a pessoa jurídica não tem vontade, não pode ser agente criminalmente passível de cumprir uma pena e que, ainda, não pode ser transferida a pena da pessoa do condenado, ou seja, por a pessoa jurídica não ser passível de pena, não se poderia transferir pretérita pena aos sócios.

Entretanto, se por essas razões não se puder punir a pessoa jurídica na pessoa dos sócios, após a desconsideração de sua personalidade, estaríamos diante da impunibilidade das ações de tais pessoas, pois, usa-se de argumentos da falta de vontade da pessoa jurídica para que não se possa puni-la, mas se a pessoa jurídica não tem vontade para fins de pena, por outro lado, em uma visão protecionista, ela tem vontade quando da ação que culmina na obtenção de lucros.

Logo, a atribuição da vontade da pessoa jurídica depende da vontade daquele que quer beneficiar-se, ou seja, se da ação ilícita, decorre uma reação benéfica, usa-se da falta de vontade da pessoa jurídica a fim de que não se possa responsabilizá-la penalmente. Mas, se de uma ação lícita, decorre uma reação maléfica à pessoa jurídica, a empresa errou ao praticar o ato de vontade, escolheu mal o agente ou acomete a culpa a algum sócio.

A possibilidade da prisão civil e penal da pessoa jurídica deve ser pautada na exigibilidade de conduta diversa do elemento volitivo de reprovabilidade consistente no fato de que o autor devia e podia ter uma conduta de acordo com a norma, ao invés de uma conduta voluntária ilícita.

A vontade da pessoa jurídica se expressa através de seus órgãos, cujas ações e omissões são consideradas como da própria pessoa jurídica. Por via de consequência, aqueles que expressam a vontade da pessoa jurídica são passíveis de serem responsabilizados por tais vontades, visto que se por eles não fossem externalizadas, não haveria a ação a ser avaliada como lícita ou ilícita.

Assim, não se poderá deixar de aplicar o instituto da desconsideração a fim de, posteriormente, punir o agente que está por traz da pessoa jurídica tão-somente porque as pessoas não se confundem. A ficção da pessoa jurídica tem como realidade a existência dos sócios que por ela expressam a sua vontade, ainda que os sócios estejam blindados pela proteção dada à pessoa jurídica, no que tange à possibilidade de serem responsabilizadas prisionalmente.

Portanto, a desconsideração da personalidade jurídica é o meio viável à atribuição de pena aos atos ilícitos, voluntários, inescusáveis das pessoas jurídicas, pois, ainda que não tenham vontade própria, são por meio dos sócios que se mantêm e que expressam a volição.

A vontade da pessoa jurídica advém dos sócios, portanto, a existência da vontade dos sócios, os quais vinculados formam a pessoa jurídica, transcende à ficção jurídica a qual se encontra a pessoa jurídica, possibilitando a desconsideração da personalidade jurídica e a consequente responsabilidade dos sócios na esfera da prisão civil e penal.



[1] GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998, p. 187.

[2] JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, v. 1, 23ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 168.

2 comentários:

  1. Gostaria de saber artigos e jurisprudencia para solicitar a prissão dos socios por nao pagamento de debitos

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